8.12.2011

room service - manuela gonzaga.










O tempo voa perto de Manuela Gonzaga, a escritora que foi “jornalista, bancária, professora, artesã, professora outra vez e jornalista outra vez”, como escreve no seu blogue Diários do Irreal Quotidiano.

O kitsch marca o compasso deste universo repleto de símbolos, cor e detalhes. O tom intenso das suas histórias – da vida e dos livros, das bonecas e dos artistas, das viagens e das paixões – dá o mote para a viagem. O caminho faz-se pelo seu quarto, passando pela sua África, recuando à sua infância e atalhando pelos seus nove livros. Ao chegar ao seu Timóteo, de pêlo branco e manchas douradas, perdemo-nos....

Como construiu este quarto encantador, cor-de-rosa-azul-e-verde?
Foi por causa de uma telenovela. Isto é muito piroso de se dizer, mas não me importo nada (risos). Houve uma altura em que estava a dar na televisão uma novela chamada “O Clone”, que gostava muito, e adorei aquelas cores de Marrocos. Vou várias vezes a Marrocos e adoro. Aquele banho de cor incrível fez-me querer ter um quarto assim. Então, fui escolher os tons e deixei os pintores em casa enquanto fui viajar. Houve uma altura em que tive um pouco de medo, quando olhei para as latas de tinta e o quarto todo branquinho... mas quando regressei, adorei. Adorámos! A cama da altura era de madeira e não tinha muito a ver, por isso, comprei esta.

Para mim é mágica. Até parece que a Manuela a imaginou em sonhos...
Eu acho que sim! A certa altura estava tão irritada por não encontrar a cama que queria realmente, que quando encontrei esta, era mesmo o meu sonho.

O que não pode faltar no seu quarto?
Uma cama, luz, quadros, um lado divertido e livros, claro.

Desde que cheguei, que estou muito curiosa para saber a história destes pequenos anões.
É uma história de amor. São do Philip Stark. Vi-os pela primeira vez na Tom-Tom e comprei só um. Os outros entretanto venderam-se e eu fiquei de rastos, porque queria ter os três. Procurei-os durante cinco anos, até que consegui comprá-los.

Mas porquê este amor à primeira vista?
Achei-os muito engraçados, esteticamente. E um sozinho era muito aborrecido, só faziam sentido os três. Eles são tão divertidos e úteis, porque ando sempre com pilhas de livros atrás – os que estou a ler e os que consulto para o meu trabalho historiográfico, etc.

A boneca espanhola também terá alguma paixão escondida...
Quando era pequena, ter uma boneca espanhola em cima da cama era a coisa mais pirosa que podia haver. Um dia, quando andava a viajar por Espanha, disse para mim que adorava ter uma boneca espanhola em cima da cama. Era o cúmulo, do cúmulo do kitsch! Mas eu queria mesmo. Comprei a mais pequena e ela vai passeando comigo no quarto: às vezes está em cima da cómoda, outras na janela... Acho-a tão engraçada! Comprei-a em Sevilha ou Córdoba, já não me recordo bem.

Viaja muito?
Sim, viajo bastante.

E o que costuma trazer das suas viagens?
Livros. Mas houve uma altura em que tive a mania da Nossa Senhora e comprava muitas. Só que detesto colecções, não tenho espírito de coleccionador e depois cansei-me. Tenho a Nossa Senhora do Brasil, do México, de Roma, de outros sítios de Itália...

Esta “mania” não tem, portanto, um fundamento puramente religioso.
Exacto. Eu gosto muito da Nossa Senhora. Considero que o culto da Virgem cruza totalmente a presença cultural de vários povos e esta presença do Sagrado feminino é importante e tem de ser venerada...é mais por este conceito que alimentei a minha mania. Não interessa se é Nossa Senhora ou Ísis ou outra...

Há pouco falava-me de como António Variações, de quem escreveu a biografia, a influenciou em algumas decisões...
A casa do António Variações impressionou-me muito na altura. Foi uma epifania! Em 1980, eu disse para mim: 'estou a pensar tudo errado! Que história é esta de que há coisas chiques e sem ser chiques? É tudo mentira. Vou gostar das coisas que quero e não quero saber'. Ele ensinou-me esse lado da liberdade. Há coisas com que hoje em dia se pode brincar e que há dez ou doze anos era impossível. Por exemplo, pendurar pratos na parede da cozinha. Há 30 anos que faço isto, comecei por causa do António (Variações). Estas coisas são pirosas, ponto final. Mas quando entrei na casa dele, levei como que um “murro” e achei tudo lindíssimo...

Gostava que me falasse um pouco da passagem por Angola e Moçambique. O que trouxe de lá?
Raízes. África tornou-me mulata, definitivamente. Eu nunca mais pude olhar para os grupos humanos da mesma maneira, porque sinto-me parte daquela terra.

Quanto tempo viveu em África?
Numa altura importantíssima, entre os meus 12 e 24 anos. Não retiro importância à minha infância no Porto e férias em Lisboa, mas não me esqueço que as minha raízes e os meus amigos ficaram lá. E com esta história do Facebook foi muito giro, porque reencontrei vários. A multiculturalidade que se vivia por lá era impressionante. Portanto, na verdade, o que trouxe de África foi consolidar os horizontes da liberdade...

© photography Sara Gomes
© text Carolina Almeida
for



.

Sem comentários:

Enviar um comentário